Ontem pela manhã, esperando a hora
de sair de casa para mais um dia de trabalho, resolvi dar uma passadinha no
Facebook e procurar qualquer novidade para passar o tempo. Eis que deparo com a
figura acima, compartilhada por um ex-aluno da faculdade.
Em um primeiro momento o que mais
me indignou na linguagem metafórica foi pensar que uma porca com um parafuso
são mais “casal” do que dois seres humanos. Comentei:
“Na sua concepção uma porca com um parafuso são mais "casal" do que dois homens ou duas mulheres?”
“Na sua concepção uma porca com um parafuso são mais "casal" do que dois homens ou duas mulheres?”
Fechei o Facebook e segui minha
agenda, com aquela informação martelando na cabeça. De súbito, em determinado
momento do dia, me ocorre um pensamento muito mais forte: de acordo com a “concepção”
de quem montou a imagem, o pênis – representado pelo parafuso – e a vagina –representada
pela porca – sintetizam a diferença entre homem e mulher e, portanto, resume-se
o ato sexual na penetração do pênis na vagina. A comparação é, além de
obviamente infeliz, degradante inclusive às pessoas de orientação
heterossexual.
Talvez o tal (ex) aluno não tenha
se fixado à citada reflexão. O rapaz abandonou nosso curso e não cursou comigo
a disciplina “Análise do Discurso”. Pode ser (não estou afirmando, apenas
supondo) que não tenha desenvolvido um senso crítico suficiente para refletir
determinados assuntos; talvez não tenha adolescido em sua retardada mentalidade
a competência de compreender o que há por trás do que é dito. Desconfio
sinceramente que não tenha passado em suas mãos nenhum livro de Pêcheux ou muito
menos Foucault. O que me conforta é que tal tarefa pedagógica não cabe mais a
mim.
Voltando à metáfora infeliz,
achei interessante como há uma doutrina que degrada o gênero humano. Prega que
a sexualidade existe apenas para fins de reprodução – portanto as formas
côncava e convexa, representando o encaixe entre os órgãos genitais, como única
manifestação possível (na verdade permitida) no ato sexual. A degradação
continua ao aplicar tão mesquinha comparação a casais do mesmo sexo, que não
formam portanto “casais”, mas apenas “pares”. Qualquer coisa que não rosqueie
como um parafuso e uma porca fogem à lógica heteronormalista, é desvio, é
pecado, reforçando os preconceitos de quem gosta muito de separar “o que é de
deus” e “o que é do mundo”, o sagrado e o profano, os nossos e os outros, os
santos e os pecadores. Sim, escolhem um dos pecados daquela lista gigantesca e
o elegem prioritário, encabeçando a relação dos que devem ser considerados os
critérios de inclusão e exclusão do que consideramos anormal e repudiável. Os
pecados deles são menores, obviamente: dobram os joelhos diante da presença esquizofrênica
de um espírito carrasco-misericordioso e se sentem logo perdoados em suas
consciências autolimpantes.
Não sei, sinceramente, o que eu
diria ao tal ex-aluno, se tivesse a oportunidade. Ele exerceu o direito
democrático de expor em uma rede social sua (infeliz) visão de mundo, em um
espaço que lhe é nominal. E eu, fazendo uso de outro direito permitido pela democracia
em que vivemos, excluí o vínculo de nossos perfis na famosa rede social. Desfiz
a amizade no facebook, é verdade, pois não sou obrigado a “seguir” alguém que
dissemina o ódio, incentiva a discriminação e pratica comigo um tipo de
violência simbólica que machuca de forma veemente a dignidade de pessoas homo e
heterossexuais.
Não o ignoraria em uma situação
presencial, obviamente, aliás, eu adoraria poder sentar frente a frente e
descascar seus argumentos, um por um, até vê-lo na nudez de sua ignorância. E
depois disso gostaria de ter a chance de mostrar como tal doutrina tem
alimentado em uma camada considerável da população um sentimento de rejeição,
abandono, julgamento, exclusão; de como tal rejeição têm se transformado em
repúdio, recusa, “abuso” da religião, algo que deveria despertar bons
sentimentos, mas que no fim o muro entre “santos” e “pecadores” vai ficando tão
alto que não nos inspira mais nenhum desejo de suprimi-lo.
Por fim, respeitarei sim seu direito
à ignorância, mas lembro que você não tem direito de dizer como Maria, José, eu
ou qualquer ser humano viva ou não viva. Seja feliz rosqueando teu parafuso em
alguma porca que te queira, eu sou muito mais que isso, eu sou inteiro, e
felizmente não dependo de que você concorde ou entenda.